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Nos da Associação CORAJEM, somos Contra a Redução da Maioridade Penal.
Matheus Cedric Godinho, filósofo, professor de crianças e adolescentes e colaborador do Setor Universidades da CNBB.
Suponhamos que você seja diagnosticado com um câncer. A doença é agressiva, está avançando rapidamente pelo organismo e o desespero começa a tomar conta de você. Afinal, você quer viver!
Procurando vários médicos e especialistas, todos lhe dão a mesma orientação: o caso não é cirúrgico. Tentar simplesmente extirpar o tumor com uma operação seria fatal ao seu organismo. Órgãos vitais estariam sujeitos a danos irreparáveis! Um procedimento invasivo como esse não lhe traria a cura, ao contrário lhe mataria de forma ainda mais rápida.
O tratamento indicado pelos médicos é quimioterápico. Mais demorado, mais difícil de ser realizado devido ao desgaste e empenho que, de certa forma, cada célula precisa desempenhar em busca da cura. Você sabe que a quimioterapia tem efeitos duros e que você terá que conviver pacientemente com doença e tratamento, até que um dos dois vença. Os médicos lhe dão esperanças, mostram dados, estatísticas, casos de pacientes que se recuperaram totalmente depois de se submeterem ao tratamento químico.
No entanto, você escolhe não ouvir os especialistas... Você está convencido de que operar é sim a melhor solução, a mais rápida, a que vai lhe poupar mais trabalho e muito mais eficaz, afinal, com um bisturi e uma pinça um bom médico conseguirá extirpar todo o tumor, de uma vez só, deixando-lhe livre dessa triste e incômoda condição.
Contrariando todos os dados, estatísticas e conselhos médicos, você procura um "curandeiro famoso". É um sujeito panfletário que promete soluções rápidas e simples até para os problemas mais complexos. Você confia no discurso enfático, veemente, na retórica convincente e quase mística do guru. Acredita piamente nos seus métodos aparentemente tão eficazes, afinal, ele sim parece compreender a sua dor, o seu desespero. A linguagem dele não é serena e científica como a dos médicos; ele fala ao seu sentimento, ao seu coração. Você decide se deixar operar, você aceita o procedimento...
Preciso contar qual o fim da história?
Pois bem, uso esta história como uma alegoria. Para bem compreendê-la podemos entender o câncer como a violência, o tratamento indicado pelos médicos como sendo a Educação e a redução da maioridade penal o desaconselhado procedimento cirúrgico. Os órgãos vitais em risco com a operação são as juventudes, de modo especial, as juventudes negras, pobres e marginalizadas. Estas mesmas que já são hoje as principais vítimas da violência e abuso das forças policiais do Estado, que em sua visão distorcida de segurança pública, são especialistas em aplicar a violência para “sustentar a paz”.
Ora, por mais emocional e apelativa que seja essa analogia, é a única metáfora que consigo utilizar para representar o apoio de ampla parcela da população à redução da maioridade penal. Sinto-me autorizado a utilizar um argumento tão forte e emotivo, justamente porque parece ter sido essa a arma dos “reducionistas” (e aqui a palavra serve como uma luva em suas múltiplas acepções) em seus debates públicos. Afinal, quem de nós não foi vítima da tentativa baixa de aliciar consciências através de pseudo-argumentos do tipo: “quero ver quando um moleque apontar uma arma na sua cabeça!” ou “e se fosse tua mãe estuprada por um adolescente?”.
A despeito da retórica raivosa e vingativa dos “reducionistas”, porém, alguns de nós desejamos utilizar a luz da razão e a serenidade da justiça para ouvirmos o que especialistas do mundo todo nos apontaram como solução. Dentre nossos “oncologistas” sociais temos a OAB, a CNBB, o UNIFEC, a UNESCO, o Conselho Nacional de Juventude, dentre uma infinidade de juristas, psicólogos, sociólogos e tantas outras categorias e instituições que sozinhas ou em conjunto se pronunciaram contra a suposta “saída” da redução. É verdade que a solução apontada por eles (a de educar e defender a juventude) não é fácil, não é imediata, tem efeitos colaterais radicais e nos compromete num esforço coletivo.
Mas não! Infelizmente, para muitos, essas opiniões não são suficientes. Nem sequer parecem ser válidas! Basta-lhes o que dizem os “Datenas”, “Bolsonaros” e” Cunhas”. Suas qualificações? Amplo acesso à mídia, apoio dos poderosos, retórica sedutora capaz de despertar aquele nosso lado mais irracional, mais vingativo...
Que triste opção fizeram aqueles: comprometem a vida de toda nossa sociedade ao se fecharem à reflexão madura e esclarecida que pode nos conduzir à saúde das consciências e das relações. A nós, que continuamos em nossa opção pela erradicação de toda a criminalidade pela via da valorização do humano, da dignificação dos jovens e da educação emancipatória, resta-nos continuar a anunciar profeticamente uma certeza: quando a juventude é ferida de morte, mata-se com ela toda a perspectiva de um mundo melhor.